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Sobre a Água
Acordei assolada por um sentimento estranho. Senti um odor pútrido e aos poucos fui abrindo os olhos. De início minha vista captou um clarão intenso, causando um aumento considerável na dor de cabeça que parecia estar esmagando meu cérebro. Tentei me mexer, mas uma dor intensa percorreu por todo meu corpo, como se eu tivesse sido atirada em um buraco. Conforme a vista voltava ao normal, eu tentava observar ao redor. Ouvi diversas vozes, alguns gemidos e também gritos mais distante. Me inclinei para o lado, na esperança de ver algo, mas choquei meu corpo com uma parede úmida, passei a mão levemente e notei se tratar de uma parede de madeira, velha e gasta, possuía pequenas cavidades provocadas pela umidade.
Um ruído do outro lado da parede me soou de forma esquisita, como se o vento batesse forte contra a madeira, e quisesse entrar. Com a vista totalmente recuperada, minha mente se acalmou, notei que tudo estava em movimento, e meu estômago logo embrulhou. Eu estava em um barco.
Virei-me lentamente evitando sentir muita dor, além da que já me consumia. Meus olhos travaram, flagrei uma cena lamentável, ali haviam diversas pessoas, jovens, crianças, idosos, pessoas maltrapilhas, feridas e aparentemente alguns corpos mortos. Me levantei ao meu ritmo, e então comecei a reparar onde eu realmente estava. O chão, também de madeira, estava coberto por fiapos de feno e uma substância quase líquida e escura, sujeira e possivelmente restos de comida e mais coisas horrendas.
Estávamos em uma espécie de jaula, exceto pela parede de madeira as minhas costas, haviam mais três feitas de ferro, com diversas barras postas em vertical e seis em horizontal cruzando todas as outras. Algumas pessoas se amontoavam em um dos cantos, cochichando entre sim. Outras choravam sobre os corpos imóveis, alguns estavam sentados pelo espaço restante, e um restante ficava parado frente as barras, gritando e praguejando.
Avancei para perto das barras, e notei que haviam mais jaulas como aquela, com diversas pessoas, algumas ainda mais cheias do que a que eu estava. Ouvi um gemido alto seguido de um grito de dor, vindo das minhas costas. Me virei rapidamente e me surpreendi, era Taskrog. Uma mulher de idade tinha em suas mãos um trapo que ela usava para secar o suor da testa do guerreiro. Me aproximei rapidamente e tentei ampará-lo.
– Não toque nele – comentou velha mulher, – ele está com febre, seu corpo está tentando se curar, deve deixa-lo descansar. – Completou. Fiquei a observando por alguns segundos, sem saber o que dizer. Não haveria qualquer efeito se eu tentasse fazer algo, na realidade eu nem sabia o que fazer, estava chocada, com o coração nas mãos e vendo Taskrog sofrer.
– O que aconteceu? Onde estamos? – Perguntei para a mulher. Observei em volta e notei que poucos davam atenção para nós, imaginei estar entre pessoas de vários povos distintos e talvez a maioria ali não entendesse o que eu estava falando.
– Os homens trouxeram vocês, arrastaram o garoto e pediram para que eu o curasse, precisam dele para conseguir dinheiro.
– Quem são esses homens?
– Não é óbvio, menina? Traficantes de escravos.
Continuei fitando a velha, e ela sequer por um minuto desgrudou os olhos do guerreiro ferido.
– Mas eles atacaram nosso vilarejo – eu ia dizendo e um desespero me interrompeu. – Uma menina, criança! Você viu se eles trouxeram ela também? – Perguntei com angústia cobrindo minha alma.
– Ele sequestraram vocês, trouxeram algumas mulheres e alguns homens, ninguém mais – as palavras da Senhora me despedaçaram, não pude sequer imaginar o que havia acontecido com a filha do ancião, logo as lágrimas escorreram levianas e tímidas. – Estou a muitos dias neste navio, menina, já ouvi muitas histórias, sinto muito.
– Desculpe. – Respondei sem saber exatamente o que dizer.
– Não se preocupe, eu entendo seu pânico. E todas essas pessoas?
– Eles pararam algumas boas vezes desde que eu fui trazida pra cá, no começo eram apenas alguns velhos curandeiros e mulheres maltrapilhas, mas com o tempo eles começaram a capturar os mais jovens e mais mulheres.
– Mas se nos querem como escravos, porque nos deixam morrer? – Questionei observando os corpos inúteis no chão.
– Doenças. – Respondeu um homem de meia idade, ele estava sentado não muito longe de nós. – Eles também estão adoecendo, não fazem questão de descer aqui, apenas um ou outro vem e joga os novos escravos para dentro das celas.
Observei as feições do homem, seu olhar estava fundo, manchas escuras preenchiam largas bolsas sob seus olhos, ele estava magro e parecia cansado como eu nunca vi.
– Descanse enquanto pode menina – continuou a Senhora, – em breve vamos chegar ao destino e até lá, você ainda verá muita coisa.
Eu não sabia o que pensar ou o que fazer. Estava ali, presa, deslocada, minha vida não fazia sentido. Não demorou para anoitecer e a escuridão cobrir a todos os pobres coitados naquele barco. Alguns raios da luz da lua atravessavam por entre as frestas das madeiras e davam um pequeno lance de claridade. Observei por entre um vão e contemplei uma vasta escuridão e leves reflexos sobre a superfície do mar, mais adiante a lua e o céu estrelado. Taskrog estava menos agitado, imaginei que a febre estivesse diminuindo.
A noite estava silenciosa, apenas o mar e as madeiras ecoavam, criavam uma orquestra nostálgica. Fiquei a recordar de Alra, das noites e dias frios, dos monges, de tudo que ficou no passado, não podia lamentar, não podia entristecer, eu estava em pedaços e precisava juntar-me novamente.
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