Por Jose Maria Ramos

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O Extraordinário Mundo de Greta

Capítulo II
"Vulto"

Já beirava meu quinto dia na região, aos poucos eu ia me acostumando com a agitação. Passei muitos anos em locais tranquilos, sem muito movimento e também com pouco trabalho, mas podia lembrar o bastante de cidades, para saber que não teria muito descanso no novo local.


            Eu sempre tive o costume de observar os humanos, em especial, esta noite pude aproveitar algumas brechas nos afazeres e decidi espiar alguns cantos da cidade. Devo dar ênfase na euforia novamente, pude ser até mesmo contagiado pela agitação, de canto a canto as pessoas riam, corriam, compartilhavam seus sentimentos, sem medo, sem hesitar. Em momentos como estes, eu vejo e tento entender o que as pessoas sentem, ou ao menos, como reagem a certas situações. Apesar de muitos seres crerem que os humanos são os parasitas do mundo, eu ainda os defendo, afinal, não os entendemos completamente e estou cada vez mais perplexo. 
            Infelizmente, durante as rondas matinais e no decorrer do dia, flagrei momentos lamentáveis, crianças passando necessidades, roubos, crimes, imprudências, pensamentos maquiavélicos, barbaridades e muito mais. Eu sei que não deveria me chocar, pois isto é humano e está em todo lugar, mas é cruel, não entendo como as pessoas deixam esta situação se instalar. Ao contrário dos seres espirituais e celestes, vejo que mesmo possuindo a dádiva do livre arbítrio, eles não fazem bom uso, e após observar algumas cenas de crueldade, posso dizer que eu começo a entender o desprezo deles pelos humanos.
            Passei alguns instantes em uma Praça chamada Santos Andrade, contemplei um monumento bastante comentado e admirado pela população local, este fica exposto na parte superior da entrada principal do Teatro Guaíra, elaborado por um ceramista conhecido como Poty Lazzarotto. Um trabalho muito belo por sinal, assim como tudo o que completa artisticamente a praça. Me alegrei ao ver algumas crianças correndo em volta do chafariz central e também com um grande prédio que atualmente é a Universidade Federal do Paraná. Atiçado por um barulho intenso, resolvi me aventurar um pouco mais e passei sobre uma reserva com alguns animais, em sua maioria, aves. Ao lado, a origem dos ruídos, um colégio. O dia estava interessante, até o serviço clamar pela minha presença.


            Passara uma semana, eu pairava ao centro do Largo da Ordem, era uma manhã de domingo, uma agitação desenfreada, haviam diversas barracas cobertas por um material branco, nelas, comerciantes falando, gritando e até cantando. Uma infinidade de pessoas iam e vinham, para lá e para cá. Pude interagir, indiretamente, e absorver um pouco sobre as crenças regionais, e sem surpresa, meu trabalho era visto como algo negativo. O dia foi vago, sem muitas complicações, e logo a noite mostrou-se a caminho e em questão de poucos minutos já arrastara seu manto negro e estrelado no céu. 
            Enquanto eu espiava em alguns outros cantos, um chamado me alarmou, e pela primeira vez me vi na necessidade de adentrar ao marco zero. Cheguei à portaria e observei as almas, buscando a que seria ceifada. Normalmente nós, buscamos as vítimas através de uma vibração de pulsar, que é a alma humana se propagando para o plano espiritual. Quando isto acontece, o véu da realidade sofre um leve rasgo, o bastante para que a alma atravesse do plano humano para o plano espiritual, e logo este rasgo se cura e o véu volta a separar as realidades. Muitas pessoas, quando dizem ver fantasmas ou qualquer anomalia sobrenatural, na realidade “veem através do buraco”, no caso elas flagram o mundo espiritual através de pequenos rasgos ainda não totalmente curados.

Subi alguns andares e logo senti estar próximo, atravessei alguns quartos e flagrei um em especial, com fluxo alto de médicos entrando e saindo. Cheguei mais perto e vi um senhor, de aproximadamente 75 anos, cabelos curtos e grisalhos, pele cansada em um tom pardo. Os médicos, já descrentes, tentavam os últimos esforços para reanimar o velho homem. Quando parei na porta do quarto, pude ver a alma em pé observando o corpo, ele me olhou com ternura, enquanto eu me aproximava e dizia:
- Não tenha medo, você terá paz agora.
- Pensei que este dia nunca chegaria, mas estou aliviado por isto - respondeu a alma.
- O que quer dizer? - raros os momentos em que a morte é aceita de tal forma, minha curiosidade havia sido tocada.
- Você deveria saber.
- As coisas não são como imaginamos.
- Estou percebendo isto. A dor, era insuportável. De que adianta uma vida de glórias, se o fim é decretado por momentos agoniantes e melancólicos? - eu não compreendia as palavras, até que a retórica foi concluída. - Às vezes, a morte é o melhor remédio e o mais merecido descanso.
O velho homem tinha o seu ponto de vista, o qual realmente me chamara a atenção. Mas se a morte sempre fora um fato de aversão para os humanos, por que alguns a desejariam? Poderia a vida ser tão ruim? Eu estava cheio de dúvidas, as pessoas são complicadas.
Me aproximei do senhor e sem mais conversas, finalizei o trabalho, toquei sua testa e o guiei na transição, juntos atravessamos os mundos paralelos espirituais, camada por camada até chegar ao seu descanso. Os médicos, derrotados pela falha ao tentar salvar o velho começaram a sair do quarto, voltei e aguardei, os estudando a fim de descobrir o que sentiam. Enquanto isto, o corpo do homem estava logo a minha frente, oco, vazio, no fim.
Logo ao sair do quarto, fui em direção ao centro do andar, a fim de olhar mais algumas pessoas, mas antes de atravessar o corredor, flagrei algo no mínimo interessante. Uma menina, com não mais que 10 anos, vestia um pijama branco com pequenos detalhes de ilustração, parada ao fim do corredor e olhando fixamente para mim. Os Ceifeiros não são visíveis aos humanos, exceto quando já presentes no plano espiritual. Olhei em volta, tentando entender, deduzi que talvez ela estivesse olhando além de mim, mas era um equívoco. Nada havia além de mim, a não ser uma parede, o corredor se estendia apenas para minhas costas e para um lado, sendo ao final do caminho a minha direita, o local onde a menina estava fixa. Me aproximei mais um pouco, fazendo um leve zigue-zague na trajetória, e os olhos da pequena ainda me seguiam. Olhei novamente para trás, ainda questionando o fato, e quando me voltei a criança, ela havia sumido. Me apressei, e quando cheguei ao ponto onde ela estava, um corredor cruzava, observei ambos os lados, e nem sinal da pequena. Intrigado, vasculhei o andar e nada encontrei, nem mesmo o rastro pude sentir.
Sem respostas e perplexo com o fato inusitado, me dirigi para fora do prédio, descansei sobre o telhado enchendo minha vista com a luminosidade da cidade, e ponderei minha lucidez e as possibilidades. Poderia ser um espírito desgarrado, mas isto é algo extremamente raro de acontecer, normalmente estes espíritos são ceifados individualmente, ou talvez fosse uma alma, mas de qualquer forma, eu sentira a presença e estando na região, eu sentiria o pulsar me chamando para ceifar. Especulei até mesmo a possibilidade de um déjà vu, entretanto isto seria a mais improvável das explicações. Nada fazia sentido, as resposta eram escassas, a realidade era que eu não sabia o que vira, ou mesmo se o que vira era real. 

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