Saint Maud (2019) - O isolamento é o potencializador da mistura ácida de religião e uma mente em decadência no primeiro longa de Rose Glass
não durmo | 4 min de leitura 📖Você também pode curtir esse conteúdo no YouTube, Spotify, Apple Podcast e outros.
O terror psicológico germina na religião e encontra na decadência da
mente de uma jovem enfermeira, espaço para dialogar sobre fanatismo e
isolamento no longa Saint Maud (2019).
Religião somada a mente em decadência é um plano de fundo batido para o
terror, mas existem nuances interessantes que podem ser usadas como
provocação para os espectadores e algumas delas são exploradas em Saint Maud (2019), o primeiro longa-metragem da diretora Rose Glass. O filme nos convida a mergulhar na mente de Maud, uma jovem
enfermeira que assume o cuidado de Amanda, uma ex-dançarina em estado de
saúde debilitado.
Desde o início, a solidão permeia a vida
das personagens. Amanda vive isolada em seu casarão, sua saúde se esvai
entre os cômodos vazios e silenciosos, interrompidos apenas por visitas
ocasionais. Enquanto Maud, reclusa em sua modesta quitinete, busca um
tipo de refúgio em seus devaneios e orações.
A narrativa de
Maud, inicialmente uma confissão rotineira, se transforma em um diálogo
angustiante, revelando suas dores e traumas. Seu isolamento é uma
resposta a um trauma, o que é acentuado pelos flashbacks e a presença de
uma antiga colega de trabalho.
A relação entre Maud e Amanda torna-se cada vez mais intensa, mas
a obsessão de Maud pela paciente a leva a interferir em sua vida,
buscando afastar um interesse amoroso. Quando Amanda descobre, há uma
inversão proposital na relação, que revela algumas das fragilidades de
Maud.
Em uma posição de subjugação, a instabilidade psicológica de Maud
cresce. Essa mistura subversiva de emoções coloca em xeque também a sua
moral. Sua fé se torna fervorosa, e o autoflagelo se manifesta como um
caminho para a santidade, uma busca por respostas através do sofrimento.
Essa crença distorcida da realidade adiciona camadas de fantasia e a
atmosfera perturbadora ao filme.
Existe um cuidado na forma
como o fanatismo é apresentado, ele não é meramente um “motor” para a
história, mas uma resposta à solidão que aflige Maud, e é habilmente
construída além do roteiro, com a trilha sonora e a estética do
filme.
O desenho sonoro provoca tensão, criando uma constante
sensação de perigo iminente, mesmo na ausência de ameaças explícitas. As
sombras predominantes no casarão de Amanda contrastam com a atmosfera da
casa de Maud, onde tons quentes refletem seu fervor religioso e nos
causam estranhamento e, possivelmente, desconforto.
A câmera
inquieta acompanha a mente em declínio de Maud, enquanto a arquitetura
da cidade costeira a oprime, simbolizando seu deslocamento da realidade.
Essa construção visual contribui para a imersão do espectador na psique
da protagonista.
Apesar de algumas linhas de diálogo parecerem forçar certos
resultados, como a destoante ruptura da relação de Maud e Amanda, Rose
Glass entregou uma estreia interessante.
Saint Maud é um
filme inteligente, que não se faz totalmente do terror e demora um pouco
para começar a entregar a tensão, mas quando o faz, temos certeza que a
direção foi competente, o elenco, apesar de algumas figuras se mostrarem
nada interessantes, conseguiu trazer ótimos personagens e a cidade
costeira, assim como as escolhas estéticas foram pontuais e definitivas
para equilibrar o filme.