Abril, 2025

Farpas e sal

poesias 📖

Esse texto foi originalmente publicado no Tumblr em 2019.


Há algo curioso e doce na solidão. Algo que transcende tempo e lógica, intrínseco eu diria.

Fecho os olhos e os aperto forte para cair em um mar de ilusão menos profano do que o próximo segundo nessa realidade distorcida, é assim que me perco um pouco mais dentro de mim enquanto todo o resto parece brilhar como um maldito sol sorridente no horizonte. Essa plástica cativante que se torna o beabá do convívio social, hipocrisia resumindo, um ensaio deplorável e sem fim de mediocridade, mentiras e abusos.

As luzes se apagam e a escuridão começa a soltar seus cochichos, os olhares opressores que se escondem sob a tinta envelhecida das paredes mofadas e desgastadas me julgam intensamente e me obrigam a buscar respostas de perguntas que trazem mais do que dúvidas, mas a dor, o medo e principalmente, a raiva. E naquele silêncio ensurdecedor, só resta tentar cavar com mais afinco, quem sabe os segredos não se calam se mais ao fundo forem jogados.

Mas não reclamo da dor, depois de um tempo, acostuma-se a ela. Tão pouco reclamo do medo, torna-se um hábito de mal gosto. Mas a raiva faísca lá no interior e aos poucos incendeia e se espalha, consumindo cada cantinho, até que não haja mais nada por dentro e possa finalmente queimar por fora. Ela toma formas bizarras em cada encarnada grossa, cada ofensa direta, e cresce a cada toque não consentido. Mas por incrível que pareça, ela queima quieta, soturna e quase acolhedora. Sem o barulho engraçado da madeira em brasa, mas dos ossos que não param de tremem ao ritmo do coração que se esforça durante as crises que decidem visitar rotineiramente.

E novamente voltamos a solidão, pois é isso que se sente quando só há cinza por dentro e se torna possível sentir até o cheiro da própria pele derretendo. Não é dor, não é medo e até a raiva assume uma nova forma, mas agora é curiosidade, e isso poderia ser até mesmo uma história romântica, se não fosse uma carta de suicídio.